sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Na Terra dos Mayas (2): A Origem do Chocolate

Sementes de cacau, das quais se faz o xocolatl, também conhecido como chocolate.

Antes de ganhar o mundo, o chocolate já era sensação entre as civilizações indígenas da Mesoamérica (da América Central ao México). Embora ele seja nativo da Amazônia, foi aqui que se desenvolveu como tal. Há evidências de uso desde 1900 AC, sempre como uma bebida. Os astecas, de quem os espanhóis aprenderam, o chamavam xocolatl, ou "água amarga". A razão é que os índios não usavam açúcar, e tampouco o diluíam com leite. Ao contrário, o usavam bem concentrado: juntavam as sementes moídas a água e adicionavam especiarias, sobretudo chili, pimenta, algo que os europeus também não conheciam.

Eu provei o chocolate à maneira dos mayas, e é brabo. Você toma como uma bebida quente num copinho de cerâmica. (Os astecas o tomavam frio). Tem um gosto ligeiramente amargo, de chocolate concentrado, mais o sabor das ervas que eles misturam (tipo ervas finas de tempero) e a pimenta pegando. (Perceba que é a pimenta mesmo, não é molho de pimenta de supermercado).
Chocolate à maneira maya. Ali na superfície é o óleo natural das sementes de cacau, que são 50% lipídios.

É interessante, mas não vou negar que fiz o que os espanhóis fizeram: adicionei açúcar e canela (esta é da Ásia, e os índios não conheciam). Aí sim, ficou maravilhoso. Não senti nenhuma falta do leite. A pimenta, no fim das contas, foi bem vinda pra dar aquela emoção.

Os Mayas o chamam Chocoh Ha'. Tal qual os demais indígenas da região, eles têm o chocolate como uma dádiva dos deuses, uma bebida para cerimônias e ocasionais especiais. 
Pintura maya antiga na qual um homem de autoridade, talvez governante ou sacerdote, diz ao homem comum que não vá com muita sede ao pote. Aqueles desenhos em marrom ali entre um e o outro são hieróglifos mayas, a sua escrita. 
Representação atual de cerimônia maya, feita por mayas, em língua maya. Ali é possível ver o fruto do cacau tomando um incenso. (Pra incensar eles usaram pedaços de madeiras aromáticas).

Em alguns casos, a pessoa embriagava-se com chocolate antes de ser sacrificada. O sacrifício, lembremos, era para os indígenas da Mesoamérica como uma honra aos deuses. Irrigar a terra com sangue humano, de modo simbólico, era a maior oferenda a ser feita. Com o alto teor de teobromina no chocolate concentrado, a pessoa entrava em transe. 

Mas o chocolate era também apreciado como afrodisíaco, sem tais exageros sacrificiais. Em 1519, o grupo do conquistador espanhol Hernán Cortés descreveu Montezuma, imperador asteca, consumindo chocolate. Fica aí para a imaginação, e pra quem quiser usar chocolate com esses fins.


"De tempos em tempos elas serviam a ele, em taças de puro ouro, uma certa bebida feita de cacau. Dizia-se que dava ao indivíduo poder sobre as mulheres, mas isso eu jamais vi. Eu as vi trazerem mais de cinquenta vasilhas com cacau, e ele tomar uma parte, as mulheres servido-lhe com grande reverência."  Crônicas de Bernal Díaz de Castillo. 

O chocolate logo espalhou-se pela Europa como a segunda bebida exótica preferida da nobreza (atrás do café). Isso, no entanto, teve consequências nefastas, pois logo milhões de índios morreriam de doenças europeias e os europeus, por sua vez, fariam grandes plantações de cacau, nas Américas como na África, movida a trabalho escravo negro para alimentar os mercados chiques da nobre Europa. Até então o chocolate era apreciado como bebida. Só no século XIX é que suíços como Henri Nestlé e Rodolphe Lindt inventariam processos industriais para fazer o chocolate sólido, em tablete, comum desde então.   

De lá pra cá o processo de produção do chocolate mudou um pouco, mas não muito. Hoje, quase metade do cacau que abastece o mundo é plantado na Costa do Marfim  e a África Ocidental como um todo responde por quase dois terços da produção mundial. No entanto, continuam pobres. A sofisticação, a agregação de valor e o dinheiro grande continuam em bolsos europeus. 

Neste vídeo abaixo, do ano passado, cultivadores de cacau na Costa do Marfim experimentam chocolate pela primeira vez na vida. Eles dizem não fazer a mínima ideia de o que é que se faz com as sementes que eles vendem. As legendas estão em inglês, áudio em holandês, francês e línguas locais africanas. Vale a pena, mesmo não entendendo, pra você ver que o que eles não entendem é muito mais sintomático das desigualdades mundiais que persistem hoje.



2 comentários:

  1. Eu gostaria de provar chocolate deste jeito. Pena que o alimento dos deuses está ameaçado de deixar de comprar fácil e ganhar peso de iguaria gourmet.
    Adorei o rito maia, não deu para não lembrar dos Upalumpas hehehe

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  2. Muito interessante essa história do xocolat'l e com chilli então ainda mais. eu tambem preferiria com açucar e canela hah. Pena esse lado da desigualdade, de quem produz não aproveitar nada da sua produção, de nenhum valor social e econômico agregado para aqueles que produzem, geralmente mantidos pobres. e que história macabra essa da rica e nobre europa que 'não quer largar o osso. Um dia ela pagará caro o que fez e faz com tantos. Não é revanchismo, é a Lei do Retorno.

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